esta publicação faz parte da newsletter plot persuits, onde eu compartilhos minhas leituras e reflexões sobre a comunidade leitora, toda terça-feira, às 8h.
o gênero romance sempre foi alvo de críticas e preconceitos no mundo literário, uma tradição que, sinceramente, já passou da validade. a gente vê essa velha história de sempre: livros escritos por e para mulheres sendo jogados na gaveta dos “menos importantes”, como se falar sobre as emoções femininas de forma aberta e sem culpa fosse algo que desqualificasse a obra.
é quase cômico, se não fosse trágico, ver como as autoras e leitoras desse gênero ainda são tratadas como menos sérias, menos sofisticadas.
é como se o romance fosse aquele primo que a família “intelectual” gosta de ignorar nas reuniões de fim de ano. e pra piorar, estudiosos como janice radway, em “reading the romance”, já mostraram que muitos críticos enxergam o romance como um grande clichê de papéis de gênero, reforçando a ideia de que as mulheres só existem em função de suas relações com os homens. mas, convenhamos, essa é uma visão pra lá de limitada.
radway desmonta isso, provando que as leitoras de romance, longe de serem ingênuas, usam essas histórias como um espaço pra se descobrirem, pra explorarem o que realmente querem da vida e do amor.
aí veio o booktok, transformando tudo.
de repente, o romance ganha uma nova vida, alcança um público maior e muito mais diversificado. mas, claro, junto com a fama vem a enxurrada de críticas, né? falam da “qualidade duvidosa” da escrita, dos “livros picantes” e do papel deles na liberação sexual feminina.
sério, até parece que o prazer feminino é um tabu eterno.
e se a gente for fundo, essas críticas têm um quê de misoginia e aquele elitismo literário velado, sabe? aquele que finge ser “preocupação com a qualidade”, mas que no fundo tá incomodado com mulheres jovens lendo sobre desejo e poder.
é como se o simples fato de mulheres jovens gostarem de algo já o tornasse automaticamente superficial, fútil, “menos digno de atenção”. e isso, além de antiquado, só mostra o quanto a nossa sociedade ainda não sabe lidar com o fato de que mulheres têm o direito de explorar suas próprias narrativas de desejo. e o mais irônico? gêneros dominados por homens que perpetuam seus próprios estereótipos raramente passam por essa mesma peneira crítica.
a crítica à qualidade da escrita dos romances no booktok
ah, o booktok... o lugar onde um romance pode virar best-seller da noite pro dia, e claro, onde a galera adora torcer o nariz pra qualidade literária dos livros que explodem por lá.
os argumentos são os mesmos de sempre: os romances são “mal escritos”, repetitivos e trazem tramas rasas. os críticos dizem que essas histórias são feitas mais pra serem devoradas rapidamente do que pra oferecer aquela experiência literária “profunda” e transformadora que a gente deveria, supostamente, esperar de uma leitura.
mas peraí... quem foi que determinou quais são esses tais “padrões de qualidade literária”? será que a gente tem mesmo que medir todo livro com a mesma régua?
sim, muitos dos romances do booktok seguem fórmulas já conhecidas. tem personagens que você sente que já viu antes, tem tramas que você até consegue prever o final... mas isso os torna automaticamente ruins? ou, pior ainda, menos valiosos?
é aí que mora o erro.
a literatura popular sempre teve esse papel: ser acessível, fácil de consumir e, justamente por isso, se conecta com um público maior. essa simplicidade não é defeito; ela é parte da mágica, porque permite que essas histórias sejam um refúgio rápido e certeiro pra quem precisa de um escape ou de uma pausa na realidade.
e convenhamos, o booktok criou um ambiente onde leitores, especialmente mulheres jovens, encontram um espaço de validação e pertencimento. essa comunidade não tá lá buscando o próximo “grande romance inovador” que vai redefinir o conceito de literatura – não o tempo todo, pelo menos. na maioria das vezes, é sobre encontrar conforto, identificação e uma boa dose de entretenimento em histórias que falam diretamente com elas.
e honestamente? tem algo de errado nisso? é óbvio que não.
e aí vem o ponto que quase ninguém menciona: a crítica à qualidade da escrita desses livros precisa ser olhada com o filtro do mercado editorial. a pressão pra lançar livro rápido é enorme, e muitas vezes o que chega nas prateleiras (ou no feed do booktok) não teve o tempo, a revisão ou os recursos que um trabalho mais “tradicional” teria. mas, de novo, isso não é exclusividade do booktok. essa é uma tendência do mercado editorial como um todo, que valoriza cada vez mais a quantidade e a velocidade em detrimento da qualidade.
a gente quer criticar?
então que critique o sistema editorial como um todo, não só o espaço que as mulheres jovens encontraram pra compartilhar suas paixões literárias.
a ideia de “literatura séria” e os padrões patriarcais
o conceito de “literatura séria” sempre esteve amarrado a uma tradição patriarcal que, como era de se esperar, empurra as vozes femininas e minoritárias pra escanteio. ao longo do tempo, as obras escritas por mulheres foram jogadas para o fundo da fila, enquanto os livros que falam das experiências femininas — especialmente no contexto de relações amorosas — são vistos como “menos importantes”. um estudo da vida: women in literary arts, de 2020, mostra que cerca de 60% das resenhas literárias nas grandes publicações, tipo the new york times book review, ainda focam em livros escritos por homens.
e aqui não é só uma questão de quantidade, é preconceito enraizado mesmo.
as histórias que as mulheres escrevem são muitas vezes vistas como “de nicho”, enquanto os livros dos homens? ah, esses são “universais”.
segundo o estudo da vida, além das autoras receberem menos espaço nas resenhas, seus livros são analisados sob a ótica de gênero — ou seja, sempre com aquele viés que faz tudo parecer menos sério. já as obras masculinas, bom, essas escapam disso. é como se a experiência masculina fosse o padrão ouro da literatura, enquanto as histórias centradas nas vidas e nas emoções das mulheres fossem “específicas demais” ou “inferiores”.
essa história é antiga, viu? desde jane austen e as irmãs brontë no século xix até as críticas moderninhas aos romances populares que bombam no booktok.
e aqui fica a pergunta:
por que sempre que uma mulher escreve sobre amor, aquilo automaticamente é visto como menos valioso?
enquanto isso, o mercado editorial segue empurrando a narrativa de que os homens são os grandes contadores de histórias importantes — aquelas que falam sobre guerra, política e filosofia, sabe? o resultado é que as histórias sobre a vida das mulheres, sobre suas emoções, acabam sendo subestimadas e jogadas pra escanteio.
e nem vamos fingir que o problema acabou. até hoje, editores de publicações gigantes, tipo o times literary supplement, dizem que não estão nem aí pra equilibrar o número de resenhas de livros escritos por homens e mulheres. pra eles, o que importa é resenhar os “livros mais relevantes”.
adivinha?
a maioria acaba sendo de homens. e, claro, esse discurso só perpetua um sistema que já nasceu enviesado.
a crítica ao “romance erótico” como reflexo de um controle sobre a sexualidade feminina
a crítica aos romances eróticos é, na verdade, um reflexo direto da longa história de controle sobre a sexualidade feminina. por séculos, as normas sociais e culturais ditaram como, quando e de que maneira as mulheres poderiam expressar seu desejo sexual.
de acordo com a historiadora nancy f. cott, essa repressão era parte de um esforço maior de controle sobre o corpo feminino, colocando a sexualidade das mulheres dentro de limites muito rígidos e vinculados a expectativas de pureza e moralidade.
o boom do romance erótico, especialmente em espaços populares como o booktok, desafia frontalmente essa tradição. esses livros oferecem às mulheres a chance de explorar suas fantasias e desejos em um espaço seguro e sem julgamento. em vez de restringir a sexualidade a um ideal moralista, os romances picantes abrem um diálogo sobre o prazer e o desejo femininos, temas que, historicamente, foram silenciados ou marginalizados.
o que fica claro aqui é que grande parte da crítica aos romances eróticos não se concentra na qualidade literária ou narrativa, mas sim na desconfortável ideia de que as mulheres têm liberdade para explorar sua sexualidade de maneira aberta e ativa. isso ainda desafia muitas normas sociais, que preferem ver a sexualidade feminina como algo a ser controlado ou moldado por padrões moralistas. muitos críticos ignoram o fato de que as leitoras desses livros estão longe de ser passivas; na verdade, elas frequentemente leem essas histórias de forma crítica, refletindo sobre suas próprias experiências e até questionando as dinâmicas de poder que encontram nos livros.
assim, quando se critica o “romance picante”, é fundamental reconhecer que essas narrativas estão abrindo espaço para que as mulheres se apropriem de suas histórias e de seus desejos, algo que historicamente foi negado a elas.
romance como uma forma de resistência e empoderamento
o romance, que sempre foi um gênero dominado por mulheres — tanto nas autoras quanto nas leitoras — é, sem dúvidas, subestimado.
o que muita gente não percebe é que esses livros são, sim, uma forma poderosa de resistência e empoderamento. em vez de ser só “entretenimento leve”, o romance oferece um espaço onde as mulheres podem se ver como protagonistas, ao invés de coadjuvantes na vida dos outros. e isso não é pouca coisa. segundo o author earnings report de 2016, o romance representa quase 34% de todo o mercado editorial nos estados unidos.
não é só uma estatística de mercado, é uma prova de que essas histórias estão preenchendo uma lacuna emocional e psicológica que as mulheres precisam, colocando suas experiências e seus desejos no centro.
e além dessa questão de mercado, o impacto emocional é profundo.
tem um estudo da Journal of Popular Romance Studies que mostrou que mulheres que leem romances regularmente relatam uma autoestima lá em cima e se sentem mais protagonistas de suas próprias vidas. olha que maravilha: histórias de amor ajudando a gente a se colocar no centro da nossa própria narrativa. e isso é, sim, uma forma de resistência. ao se verem no papel principal, as mulheres estão desafiando as normas sociais que sempre disseram que o lugar delas era de coadjuvante.
bell hooks já falava disso há um tempão, né? ela argumenta que a representação de mulheres em posições de poder, até mesmo nas narrativas românticas, é uma forma de resistência cultural. desafia o patriarcado, que adora ditar como as mulheres devem agir e o que devem desejar.
além de tudo isso, o romance oferece uma forma de resistência contra as expectativas de que as mulheres sempre têm que abrir mão de seus desejos em nome de responsabilidades. ao invés disso, ele cria um espaço onde elas podem sonhar, imaginar e reivindicar o direito de querer mais da vida — seja no amor, no sexo, ou em qualquer outro aspecto.
livros de romance são ruins para as mulheres?
essa é a pergunta de um milhão de dólares, né? são ruins ou não? bom, depende muito de quem você pergunta e de como esses livros são lidos.
por um lado, tem gente que bate na tecla de que os romances criam expectativas irreais. eles falam que esses livros, especialmente os mais “sonhadores”, reforçam uma visão idealizada e, muitas vezes, tóxica do amor, onde a mulher sempre acaba sacrificando algo ou se moldando para agradar ao parceiro. o argumento aqui é que isso pode levar à frustração quando o “felizes para sempre” da vida real não aparece. tem também a crítica de que muitos romances perpetuam o clichê da mulher dependente emocionalmente, reforçando papéis antiquados onde a felicidade feminina gira em torno de encontrar um homem.
mas aí, do outro lado da história, a gente precisa parar e pensar:
será que a leitura desses livros é realmente tão passiva assim? será que as leitoras não sabem distinguir entre ficção e realidade?
na verdade, muitas mulheres encontram nos romances um espaço de liberdade. eles são uma forma de escapismo saudável, onde elas podem explorar suas fantasias, se conectar com emoções que talvez não possam vivenciar no dia a dia, e até refletir sobre suas próprias relações. além disso, esses livros dão às mulheres o protagonismo, e isso, por si só, é uma forma de resistência e empoderamento.
os críticos geralmente subestimam a capacidade das leitoras de ler de forma crítica. os romances não são absorvidos de forma passiva como esponjas emocionais. as mulheres estão perfeitamente cientes das dinâmicas tóxicas que às vezes aparecem nessas histórias, e muitas vezes usam isso como uma ferramenta de reflexão, não de aceitação. como muitos estudos já mostraram, as leitoras conseguem identificar e até questionar esses padrões enquanto estão imersas nas histórias.
no fim das contas, a grande questão é o que a leitora tira dessa experiência. o impacto de um romance depende muito mais de como ele é lido e interpretado do que do conteúdo em si. enquanto alguns enxergam nesses livros uma ameaça à visão saudável do amor, outros veem neles uma celebração da autonomia feminina.
afinal, não se trata apenas de romantizar o amor, mas também de reivindicar o direito de querer mais para si, de explorar as próprias emoções e desejos num mundo que sempre tentou controlar a sexualidade e a narrativa das mulheres.
equilibrando crítica e apreciação
as críticas à comunidade de romance no booktok levantam questões válidas, claro. mas é essencial que essas críticas venham equilibradas com uma boa dose de apreciação pelo valor que essa comunidade traz para o mundo literário. o booktok não é só um lugar pra devorar livros; ele está revitalizando o interesse pela leitura, especialmente entre os mais jovens, e isso é algo que simplesmente não dá pra ignorar.
é muito fácil descartar o booktok como um espaço de leitura superficial — como se a única coisa que rolasse ali fosse a “modinha” do momento. mas, quem pensa assim, tá deixando de enxergar a complexidade e a diversidade que ele oferece.
pra muita gente, especialmente pra mulheres jovens, o booktok é mais do que um clube do livro virtual; é um lugar onde elas se expressam, se conectam emocionalmente e, às vezes, até encontram a coragem de falar sobre temas que não são fáceis, como identidade, sexualidade e empoderamento feminino. e essas conversas, além de super relevantes, criam um ambiente onde as leitoras podem explorar suas próprias experiências e se sentirem validadas nas suas escolhas literárias.
além disso, vamos combinar: a leitura é uma experiência pessoal, né?
o que pode parecer raso ou previsível pra um crítico, pode ser absolutamente transformador pra outra pessoa. nem todo mundo precisa da "alta literatura" o tempo todo pra sentir o impacto emocional de uma boa história. ao invés de tentar impor um padrão rígido de qualidade literária, talvez fosse mais produtivo a gente adotar uma abordagem que valorize as diferentes formas de se engajar com a leitura. não estou dizendo que as críticas devam ser ignoradas, longe disso. mas elas precisam ser feitas com respeito à diversidade de gostos e experiências dos leitores.
👀 e já que estamos falando sobre romance
de lukov, com amor: enemies to lovers com patinação no gelo e um slow burn que só a mari zapata sabe fazer. eu amo esse livro com todas as minhas forças.
teto para dois: imagina ter que dividir a cama com um desconhecido porque teu namorado te expulsou de casa? e ainda ficar conversando com esse desconhecido por post-it e se apaixonar por ele.
fisgados pelo amor: todo mundo acha que ele é o maior pegador, mas na verdade ele só tem olhos pra ela.
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apenas jovens senhoras lendo um bom livro, viu? porque fazer amizade depois dos 30 é muito difícil e a lombar já não é mais como era antes. sendo assim, você topa um encontro quinzenal de fofocas, surtos literários e heróis de moral duvidosa? é só clicar no botão abaixo.
🏷 nota de rodapé
você leu até o fim! ❤ eu sei que essa newsletter é meio inconstante, mas sabe o que não é? as minhas redes sociais. então não deixa de me acompanhar em outros canais para não perder os meus surtos literários!
cara, esse texto me fez lembrar duas coisas:
1) pra fazer um paralelo do que você tá falando, me veio na mente toda a "polêmica" envolvendo a Taylor Swift / futebol americano. o fato de uma mulher (bilionária, diga-se de passagem) trazer suas fãs pra um esporte predominantemente masculino tem sido AMPLAMENTE criticado, principalmente pelas fãs homens, que acham que é um absurdo mulheres fãs dela se interessarem pelos jogos só porque a Taylor tá lá presente. bem com aquela cabeça de que ali não é lugar de mulher e, mais, sem olhar pra isso pelo viés positivo de que ela está trazendo um público que era alheio a esses ambientes e pode começar a pertencer.
2) toda a polêmica (dessa vez sem aspas) envolvendo o livro It Ends With Us. Blake Lively à parte, é um clássico de como a leitura pode abrir os olhos pra situações complexas, mesmo que ainda com uma camada de romantização não cabível pro contexto da história. é considerado um romance, mas que toca em assuntos importantíssimos do ponto de vista do sofrimento feminino e que com certeza abriu os olhos pra muita mulher sobre a realidade das suas próprias relações. a leitura tem o poder de colaborar pro desenvolvimento do senso crítico e consumir essas histórias ajudam a gente a entender o que a gente considera aceitável ou não pra própria vida.
enfim, dá pra gente passar horas falando disso, né?
ai debs, assino embaixo do seu texto, viu. muito recentemente eu tive a mesma reflexão porque comecei a ler livros de um outro gênero carimbado como “literatura feminina”: de fantasia.
escrevi inclusive na news sobre ler acotar e me deparar com uma necessidade de me justificar por estar lendo “literatura duvidosa”. uma régua que nunca foi minha, mas que ainda assim impacta uma experiência que poderia (e não deveria?) ser descomplicada.